escritos de Pedro Silva

A minha tortilha

6 Junho 2013

Permita-me o leitor começar por revelar algo que julgo ser do interesse de todos os portugueses: ontem comi uma tortilha ao almoço. Não foi uma tortilha qualquer. Embora seja suspeito, a tortilha da minha mãe é provavelmente a melhor tortilha que uma mãe pode fazer a um filho.

Baseado neste pressuposto, resolvi há tempos brindar os meus filhos com a melhor tortilha de mãe que um pai pode fazer a um filho. Receita numa mão, dotes culinários na outra, concentração máxima, 3 rezas a Nossa Senhora, e aqui vai disto. Tudo correu lindamente até à hora de virar a tortilha do avesso (desconfio que o termo culinário não seja este). No papel parecia simples. Na prática foi um descalabro. Aquilo que até ali tinha todo o aspecto de uma deslumbrante futura tortilha, tornou-se repentinamente num estranho amontoado de batata, ovo e chouriço. Para piorar as coisas, a minha filha assistiu ao acidente, com um misto de impotência e compaixão. “E se hoje comêssemos uma pizza, minha linda?…”. “Não, essa coisa está a cheirar bem, continua”. Continuei com aquela coisa. Uns retoques aqui e acolá e 10 minutos mais tarde estava na mesa aquilo que poderia ter sido uma linda tortilha de chouriço, mas que aos olhos dos presentes não passava de uma ex-candidata à melhor tortilha de mãe que um pai pode fazer a um filho. Duas garfadas mais tarde chegou a avaliação: “pai, é a tortilha mais feia do mundo, mas está deliciosa!”.

O Verão está a chegar e a minha cidade parece-se muito com o meu primeiro projecto de tortilha. Está feia, mas deliciosa. Mas ao contrário de uma tortilha mal confeccionada, será sempre deliciosa. E ao contrário de uma tortilha mal virada, uma Figueira da Foz de rio, mar e serra terá sempre um enorme potencial para se tornar das cidades mais apetecíveis do país. Depende não só de quem nos governa, nacional ou localmente, mas cada vez mais de pequenos gestos e iniciativas por parte de cada cidadão, isolado ou em grupo.

Permita-me o leitor a ousadia, em tempos tão adversos: ainda acredito numa Figueira simultaneamente linda, deliciosa e sustentável. Mais do que na minha tortilha.

já que aqui estás