escritos de Pedro Silva

Crilopiteia

Esta é a história que o meu avô contava sobre a cidade de Crilopiteia.

Dizia o meu avô que Crilopiteia havia sido em tempos a maior cidade que o mundo já conhecera.

Acrescentava o meu avô que em Crilopiteia viviam tantas pessoas que não haviam ainda inventado uma máquina de calcular capaz de contar quantas pessoas viviam em Crilopiteia. Jurava o meu avô que não conhecera pessoa alguma que não quisesse viver em Crilopiteia. E os olhos do meu avô brilhavam enquanto exclamava “eram tantas as pessoas a querer mudar-se para Crilopiteia que tiveram que inventar uma máquina para colocar alguma ordem na entrada das pessoas em Crilopiteia!”

A máquina tinha o nome de Crilopitocus e foi colocada à entrada da cidade. Segundo o meu avô, funcionava assim.

O chefe da família colocava uma moeda de 50 na ranhura da Crilopitocus. A Crilopitecus perguntava:

– Quantos metros de família?

O chefe da família olhava para trás, contava os filhos, os netos, os tios, os primos e outros que mais, e respondia:

– Somos 5 metros de família!

A Crilopitecus perguntava:

– Tem cão? Tem gato? Tem tubarão? Tem macaco?

O chefe da família respondia:
– Temos um crocodilo anão!

E a Crilopitecus perguntava:
– Tem alface? Tem batata? Tem beterraba? Tem ananás?
E o chefe da família respondia:
– Temos banana, pepino e abacate!


Então, contava o meu avô, a máquina de nome Crilopitocus fazia uns barulhos estridentes que se ouviam em toda a cidade, enquanto se movia para cima e para baixo, para um lado e para o outro, sem nunca se desprender do passeio, numa estranha dança que parecia não ter fim. E ao fim de algum tempo de toda aquela dança barulhenta, da ranhura da Crilopitecus saia um papel. No papel estava escrito assim:

“Olá, família de 5 metros! Bem-vindos a Crilopiteia. Sigam em frente, virem na primeira à direita, depois na segunda à esquerda, depois logo à direita, depois sempre em frente, sempre em frente e sempre em frente, depois à esquerda, outra vez à esquerda, depois à direita, depois à esquerda, depois duas vezes à direita e três à esquerda e mais uma vez à direita. Lá encontram a vossa casa. É azul, tem um lago gigante para o crocodilo anão e uma horta para as bananas, pepinos e abacates”.

O meu avô contava que havia tanta gente a querer mudar-se para Crilopiteia que a máquina Crilopitecus trabalhou sem parar durante mais de 100 anos. Até ao dia em que se estragou e nunca mais ninguém entrou em Crilopiteia.

Dizia o meu avô que certo dia um menino de nome Crilopito, que vivia com a sua família de 30 metros numa ponta de Crilopiteia, iniciou uma longa caminhada para conhecer a outra ponta de Crilopiteia. Demorou tantos anos que quando chegou ao seu destino ostentava um farto bigode. Na outra ponta de Crilopiteia, o menino Crilopito conheceu uma menina de nome Crilopita, que vivia com a sua enorme família que também tinha 30 metros. Ficaram muito amigos, contava o meu avô. Mas o menino Crilopito tinha de regressar para junto da sua enorme família, e antes de partir o menino afastou os cabelos da menina e segredou-lhe ao ouvido um plano para se tornarem vizinhos. O plano era assim:
“Bche bche bche, bche bche bche, bche bche. Bche bche bche!!”

O menino Crilopito iniciou a sua caminhada de regresso a casa. Demorou tantos anos que quando finalmente chegou o menino Crilopito tinha cabelos até aos pés.

Contava o meu avô que o menino Crilopito e a sua família de 30 metros juntaram forças e começaram a empurrar a sua ponta de Crilopiteia. Na outra ponta de Crilopiteia, a menina Crilopita e a sua família de 30 metros juntaram forças e começaram a empurrar a sua ponta de Crilopiteia. Empurraram ambas as pontas com tanta força, que passados alguns anos se tornaram vizinhos.

“É por isso” – dizia o meu avô, “que Crilopiteia tem esta forma tão estranha”.

O meu avô não dizia mais, mas acrescentava assim a minha avó:

“Tenho quase a certeza que esses meninos – que eu não consigo dizer o nome – acabaram por casar. E que aquelas duas famílias se juntaram e formaram uma família de 60 metros, a maior alguma vista nessa cidade que eu não consigo dizer o nome”.

já que aqui estás