27 março 2014
Há muitos, muitos anos, numa escola secundária desta cidade, fui nomeado pelo conselho de arbitragem para apitar uma partida de basquetebol entre duas equipas rivais, no âmbito de um torneio semi clandestino. Apesar de na altura não pegar num apito desde o épico carnaval de 1981, mas como profundo conhecedor das regras de basquetebol de trás para a frente, de frente para trás e de vice e versa, foi com um espírito de grande autoconfiança que dei início ao encontro. No entanto, aquilo que parecia vir a ser uma tarefa facilmente ultrapassável, revelou-se um verdadeiro desastre. Ter que tomar algumas decisões em fracções de segundo, sobre as quais, pelas mais diversas razões, tinha dúvidas, foi no mínimo penoso e um tormento que teimava em não terminar. Para mim e, claro, para as equipas envolvidas. Agora que o crime parece estar prescrito, posso confessar que na 2ª parte, após uma reunião comigo próprio, decidi apitar aleatoriamente, e as coisas até acabaram por correr melhor. No final, não fui escoltado pela polícia por duas razões. Primeiro, não havia polícia. Segundo, éramos todos amigos. Terceiro (sim, afinal eram três razões), os erros cometidos foram estatisticamente bem distribuídos.
Isto para dizer o quê? Isto para dizer que na bancada somos todos uns heróis. Mas se formos chutados para dentro de um campo com um apito na boca ou uma bandeirola na mão, a coisa pia mais fino. E que atire o primeiro apito quem pensar o contrário. Isto para dizer o quê? Isto para dizer que aqueles momentos (que me pareceram uma eternidade) em que me apanhei com um apito na boca me fizeram compreender duas coisas. Primeiro, que a minha carreira na arbitragem terminava ali mesmo, em grande estilo, felizmente sem o apedrejamento da praxe. Segundo, que não basta ter um conhecimento profundo das regras para se ser um bom juiz, seja qual for a área. Terceiro (isto hoje não está a ser difícil acertar com os números), que é necessária uma grande paixão e uma coragem ainda maior para enfrentar uma multidão que, salvo honrosas excepções, vai para a bancada com a forte convicção que o árbitro está ali para prejudicar a nossa equipa.
Sem me debruçar sobre esse mundo à parte que é o desporto profissional, é aos clubes (principalmente aqueles que apostam na formação) que cabe a árdua tarefa de sensibilizar não só os seus atletas para o complicadíssimo papel em que os árbitros são colocados, mas acima de tudo aos familiares dos mesmos, que inevitavelmente são exemplo para os atletas, para o bem e para o mal. Isto para dizer o quê? Isto para terminar com duas breves notas. Primeiro, no saber ganhar e no aprender a perder, a imagem de um clube joga-se dentro do campo, onde os atletas mostram os seus dotes. Segundo, no saber estar e no aprender a respeitar, a imagem de um clube joga-se também na bancada, onde os papás mostram os seus dotes. E aqui, não tenhamos dúvidas, há um longo caminho a corrigir. Terceiro, e de uma vez por todas, tenho que aprender a fazer contas.