Ter um quiosque é espectacular. É tão espectacular que não conheço ninguém que não tenha imaginado pelo menos uma vez durante a vida como seria estar um dia atrás da banca, que não tenha sentido vontade de saltar cá para dentro, espetar duaslambadas no homenzito do quiosque e experimentar esse misto de sensações de devorar jornais e revistas, carregar o seu telemóvel com 500€, levar para casa a colecção completa do Game of Thrones e voltar a trazer como se o invólucro nunca tivesse sido violado, ou completar a caderneta do Mundial 2010 à custa do senhor que deixou como herança ao quiosque os seus milhões de repetidos depois de lá gastar 750€ em saquetas. Não conheço. Daí a espectacularidade da questão.
No entanto – e este “no entanto” mata-me – há algo no quiosque que me incomoda, algo que chateia, algo que arrelia. No fundo, algo que não me deixa dormir, e que é precisamente isso: o quiosque não me deixa dormir.
O sacana abre às 8, e por muito que se tente negociar com a clientela, por muito que o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Madrugadores de Quiosques reivindique as minhas exigências perante o patronato, nunca se chegou a um entendimento razoável para as partes envolvidas. É às 8 e ponto final.
Como deve ser fácil de entender, toda esta situação acarreta graves implicações sobre a minha pessoa. Uma pessoa de bem, de trato fácil, com espiríto solidário e que pratica a caridade, mas uma pessoa que também precisa de dormir.
“Deita-te mais cedo”, diz-me a Orlanda. Não dá, Orlanda. A Orlanda não percebe que preciso da paz da noite para descomprimir dos clientes do dia como a Orlanda?
A Orlanda não percebe.
Como se não fosse suficientemente trágico ter que levantar tão cedo – levando inclusivamente a perguntar-me, na hora que toca o primeiro despertador, “mas porquê um quiosque??” – há dias sonhei que estava a dormir. Enquanto dormia no meu próprio sonho, tocou o despertador do sonho e eu tentava, sem sucesso, levantar-me. Até que finalmente percebi que era tudo um sonho e podia continuar a dormir, desde que conseguisse mudar de sonho. Não só não consegui como não voltei a adormecer: dez minutos mais tarde tocou o despertador real. O que me levou a perguntar “mas porquê um quiosque??”. Nem me respondi. De madrugada, assim que o despertador toca, que ninguém fale comigo.