escritos de Pedro Silva

final de 2017

Gosto muito do fim do ano. Mais do que do fim do ano, gosto muito do início do ano. Gosto muito de balanços, mas gosto mais de resoluções. Gosto muito de listas. Do que se fez bem ou do que se fez mal, mas gosto ainda mais das listas de planos para o tempo que aí vem, embora seja incapaz de fazer uma pois o meu alcance temporal é bastante limitado. Gosto muito de mudanças e o acabar de um ano para dar início ao seguinte é uma pequena mas enorme mudança. Para uns é só um segundo. Ou doze passas. Para mim, o novo ano é um acontecimento grandioso. Porque há um ano mais para fazer mais coisas, embora não saiba bem quais e muito menos por que ordem. Ou menos coisas, para quem acha que fez muitas. Ou fazer as mesmas coisas, desta vez melhor ou até mesmo pior. Ou, acima de tudo, fazer coisas novas. Sim, parece que fazer coisas novas é o que nos move de esperar um novo ano melhor que um antigo ano. É o que dizem. Mesmo que sejam novas formas de fazer as mesmas coisas. Sim, é isto mesmo que dizem. São as mudanças. Este ano talvez passe a dar o jornal com a mão direita e receber o euro com a mão esquerda. Ou fazer tudo com a mesma mão. Talvez. É que fazer sempre a mesma coisa cansa a vida. Talvez este ano queira tocar piano. Não, não quero. É uma péssima resolução. O que talvez queira é aprender a tocar piano. O processo de aprender é a coisa boa, e não o resultado final, como eles dizem por aí e eles não estão enganados. O resultado final, ou o intermédio ou o três quintos, pode ser péssimo. Não tem mal, desde que o processo de aprendizagem seja um verdadeiro prazer, por entre algumas marteladas irritadas nas arrogantes teclas monocromáticas. Mas talvez ainda não queria aprender a tocar piano. Talvez fique para um outro ano. Depois vê-se. Talvez queira tomar melhores decisões e não ter tantas dúvidas antes de as tomar. Quem sabe. Encontrar uma pessoa da nossa vida. Não tem piada. Outro péssimo desejo. As pessoas não se procuram mas talvez aconteçam. O prazer está em viver, não com a pessoa, mas viver a pessoa, insistem eles. Aliás, as pessoas da nossa vida. E isso não significa estar com elas, dizem eles de dedo em riste. Tenho excelentes pessoas da minha vida, digo eu sem dedo em riste, pessoas mesmo boas pessoas para a minha pessoa, que mal as vejo ao longo do ano. Não tenho, assim, resoluções que envolvam muitas pessoas. Amo muito aquelas pessoas, que são algumas das pessoas da minha vida, que dá a ideia que não se passa nada entre nós, que não se importam que lhes digam “hoje não me apetece nada” ou “este não era dia ou mês ou ano para falarmos ou fazermos” ou que nem sequer precisam que lhes digamos algo, que nos deixam ser desmazelados, desleixados e egoístas à nossa maneira, sem que nada se perca para trás ou para a frente. Talvez ao longo do ano que vem não deixe entrar muita conversa fiada. A conversa fiada faz perder tempo e paciência e até pessoas. E o tempo e paciência e pessoas e também a saúde e o cheiro dos jornais é a coisa mais preciosa das nossas vidas. O ano que ainda aqui está é o ano que deixei para trás o aparelho televisão. Foi um processo natural, em que decidimos dar um tempo. Talvez um tempo infinito. Digo que foi o ano que a minha zona maldosa aprendeu a desprezar genuinamente. Não aquele desprezar fingido e vulnerável, mas o desprezar tão genuíno que a nossa pessoa até se esquece que há um processo de desprezo em curso [inserir riso maquiavélico]. Também há aquela coisa que se falou muito no 2017, que é a da gratidão. Considerando-me uma pessoa extremamente afortunada em variadas temáticas, em que há uma série de coisas que me correm bem e como se não fosse suficiente ainda melhoram e mesmo assim só ando muito satisfeito metade do tempo, não se me afigura fácil aplicar a gratidão. Ou mostrar gratidão. Primeiro, não sei a quem me dirigir. Segundo, tenho dúvidas sobre a sua eficácia. Na lista para o ano fica então a promessa de aprender mais sobre a gratidão, embora eu tenha as minhas reservas sobre palavras terminadas em “ão”. Tipo cão. Apareceu-se-me um que não bate bem da galheta e é um milagre como ainda lhe dou comida e guarida. Deus o guarde. Entretanto, foi um ano de luta interna entre a coligação sensata que quer fugir do facebook e a geringonça viciada que acha aquilo o máximo. E, como se pode ver pelo tamanho disto, ninguém me quer no twitter. Vamos ver no que dão as eleições do próximo ano. Ano super gargalhado, refinado e condimentado ao nível da temática Manelo-Maria. Ano de quinzenário começado e acabado, a loucura saudável a pedir mais experiência. Ano que poderá ter menos açúcar, menos carne, iguais quantidades apreciáveis de vinho, iguais quantidades nulas de ginásio, mais basket, menos futebol, ainda mais música, mais beijos na boca, mais livros ainda, mais capitais europeias, ainda mais amor incondicional por este emprego-de-sonho-mal-remunerado-mas-não-se-pode-ter-tudo, mais duzentas ideias frescas e um quiosque antigo transformado num novo. Cheers!

já que aqui estás