12 Dezembro 2013
Há um intervalo de tempo entre o momento da tomada de consciência que uma casa está manifestamente desarrumada e o momento em que é tomada a decisão que é preciso fazer algo pela casa. Como toda a gente sabe, a esse intervalo de tempo dá-se o nome de “passividade perante o caos”, que passo a explicar. A “passividade perante o caos” tem início a partir do momento em que temos a certeza que há demasiadas coisas fora do sítio, mas que atingiram uma desordem tal que nem vale a pena pensar muito sobre o assunto, e muito menos agir em conformidade. A casa está em pantanas, mas é perfeitamente habitável. Nesta altura limitamo-nos a desviar de objectos espalhados pelo chão, a empurrar outros para locais estrategicamente afastados da vista, ao mesmo tempo que pensamos, sem grande preocupações, como foi possível chegar àquela situação, pela enésima vez. Há coisas que devíamos saber onde estão mas que não são tão importantes assim, e outras que estão ali mesmo à mão, que não servem para nada, mas que a inércia tão característica desta fase nos impede de lhes dar o destino mais certo. Até que chega o momento final da “passividade perante o caos”, que andámos a evitar nos últimos tempos. Há coisas de que necessitamos urgentemente mas que alguém escondeu no início da fase. Começamos a pisar objectos pontiagudos. Há livros na cozinha e copos no escritório (embora pontualmente o inverso também se verifique). Então, num acesso de fúria controlada, para contentamento de uns e desagrado de muitos, descontrolamos a desarrumação e mais tarde, exaustos mas orgulhosos, pensamos que não vai voltar a acontecer.
Puro engano, claro. Sou um desarrumador compulsivo, a toda a hora. E arrumador compulsivo, pontualmente. Sem cura. A própria arrumação, apesar de parecer séria, é de uma desonestidade gritante. Todos os papéis desordenadamente espalhados na secretária passam a estar desordenadamente empilhados dentro de uma caixa, à espera de nova arrumação. Varre-se contundentemente para debaixo do tapete. Misturam-se contas do gás com post-it’s de tarefas ultrapassadas com sucesso (na vã esperança de obter um pequeno impulso de satisfação anos mais tarde, como se isso fosse possível). Atropelam-se carregadores de telemóveis obsoletos com gravadores de cd’s perdidos no tempo e usurpadores de espaço. Há fotos da adolescência coladas a bilhetes de eventos desportivos sem resultado memorizado. No fundo, adia-se e evita-se o grande dia da arrumação final, que nunca há-de chegar.
Este sou eu. E é também o meu país. Mais que os dias de austeridade de hoje, da suposta arrumação em curso, são os tempos do pós troika que mais me atormentam.