Na rua do fundo de uma cidade esquecida num país longínquo havia uma pequena e escura loja onde se vendiam objectos para enfeitar senhoras. Em tempos havia sido uma loja de muito sucesso, quando a rua se enchia de famílias bem vestidas, numa cidade visitada por condes e princesas, pertencente a um país que todos acreditavam ser o centro do mundo.
Nesse tempo muito distante, as senhoras passeavam pela loja, dançando com os seus longos vestidos enquanto se enfeitavam com aqueles objectos que as senhoras usam para ficar ainda mais bonitas: pulseiras, brincos, colares, relógios e anéis. Tudo na loja brilhava de tal forma que não era necessária luz para iluminar as danças dos longos vestidos das senhoras.
O tempo foi passando e pelo mundo nasceram novos países, de ricas cidades, onde se cruzavam ruas sem fim, cheias de grandes lojas, decoradas com as mais belas peças para enfeitar senhoras. Em pouco tempo, o país que todos acreditavam ser o centro do mundo deixou de ser o centro do mundo, as suas cidades esqueceram-se de ser cidades e as ruas perderam o seu encanto. As pessoas foram embora e as lojas fecharam. Uma, outra e mais uma, sempre assim, até sobrar apenas uma pequena e escura loja onde se vendiam objectos para enfeitar senhoras.
Tomava conta da loja uma velhinha, bisneta da velhinha que tomara conta da loja num tempo muito distante. Abria a loja cedo, a velhinha. Fechava a loja tarde, a velhinha. E passavam dias inteiros, de sol e chuva e chuva e sol, sem que a velhinha vendesse um só objecto para enfeitar senhoras. Um dia, daqueles dias que parecia ser um dia sem senhoras na loja, veio uma senhora, de vestido comprido e chapéu alto. Parou na prateleira da caixinha que dizia “PULSEIRAS DA SORTE”, onde há muitos muitos anos vivia uma única pulseira da sorte. E a senhora engraçou este diálogo com a velhinha:
– A pulseira da sorte traz sorte, velhinha?
– Claro, senhora. Se não trouxesse sorte, não se chamava pulseira da sorte.
– E quanto custa a pulseira da sorte, velhinha?
– Custa 7, senhora.
– Ai, velhinha! Gastei muito no vestido comprido e no chapéu alto. Vende por 3, velhinha?
A senhora saiu dançante da loja, com o seu vestido comprido, de chapéu alto e pulseira da sorte ao braço.
Tão dançante ia a senhora que tropeçou num cão.
Ganiu o cão e caiu a senhora.
Espatifou a mão e torceu o pescoço.
Levantou-se a senhora. Sacudiu o vestido, ajeitou o chapéu e ralhou para o cão.
Seguiu rua adiante, como se pouco fosse.
Três passos depois, lá do alto um pombo, num jeito muito solene, sacudiu as suas asas e deixou escapar um detrito, que cá em baixo encontrou o chapéu alto da senhora.
Ficou furiosa a senhora.
Esfarrapada na mão, desengonçada no pescoço, de chapéu alto indecoroso.
Nem dois metros andou, quando a alta velocidade, um carro amarelo por uma poça de água passou.
A senhora ainda gritou, mas de nada lhe valeu, e ficou com o seu vestido comprido, encharcado de alto a baixo.
Não podia acreditar a senhora, no seu incrível destino, ainda há pouco estava linda e vive agora num farrapo.
Lançou um olhar furioso à sua pulseira da sorte, correu rápido para a loja, e mesmo antes de entrar escorregou de tal forma que lhe saiu um sapato.
Ainda mal recomposta do estrago, travou o seguinte diálogo, com a velhinha da loja:
– Velhinha, esta pulseira não traz sorte!
– Como diz, minha senhora?
– Tropecei num cão, espatifei a mão, torci o pescoço, sujaram o chapéu alto, molharam o vestido comprido e perdi um sapato.
– Ai senhora, não me diga! Mas que triste sorte a sua. Dê cá a pulseira que eu devolvo o dinheiro.
Muitos anos depois, num dia de sol e chuva, foi à loja da velhinha a filhinha de tal senhora. E ao encontrar uma pulseira da sorte, sozinha dentro de uma caixinha, a filhinha da senhora emparelhou este diálogo com a velhinha da loja:
– A pulseira da sorte traz sorte, velhinha?
– Claro, filhinha. Se não trouxesse sorte, não se chamava pulseira da sorte.
– E quanto custa a pulseira da sorte, velhinha?
– Custa 7, filhinha.
– Ai, velhinha! Gastei muito no remédio para a minha mãezinha, que está muito doente, quase a morrer na sua caminha. Vende por 3, velhinha?
– Oh filhinha! Mas que triste a sorte a sua e de sua mãezinha. Deixe-se ficar com o dinheiro, que eu ofereço-lhe a pulseira.
Saiu ofegante da loja a filhinha da senhora, de pulseira da sorte ao braço e sorriso estampado na face.
Afagou o focinho de um cão, acenou alto a um pombo, cumprimentou seu vizinho e seu lindo carro amarelo.
Chegada a casa num instante, deu dois beijos na mãezinha, deitada na sua caminha.
Contou-lhe sua aventura na loja da velhinha, onde encontrou uma pulseira, que parece que dá sorte e pode salvar da morte.
Chorou muito a mãezinha com a história da filhinha.
Chorou tanto tanto tanto, durante dias e dias, que foi com grande espanto, que se curou da doença.
Disse o médico assim:
– O bichinho que a atormentava, senhora, deve ter morrido, afogado em tanta lágrima!
Correu mundo esta história. Uma senhora doente, às portas da morte, curada por obra e graça, de uma pulseira da sorte.
Houve quem dissesse, que tal coisa não existe, a sorte não vem em pulseira, conquista-se e merece-se. Ainda hoje não se sabe, como a senhora se curou, se da pulseira da sorte, se do coração da velhinha. Mas meninos e meninas, há uma coisa que sabemos: daquele dia em diante, como que por magia, muita gente dançante voltou a encher a pequena loja escura da velhinha.