22 Maio 2013
Vivo sozinho num apartamento. Cinco vezes por semana – por vezes seis, outras vezes sete – saio pelas 8 da manhã. Regresso por volta das 19.30, por vezes às 21.30. Tenho uma máquina de lavar roupa que trabalha uma hora por semana. Tenho um frigorífico da mais alta eficácia energética. Tenho um computador que está mais tempo avariado que a funcionar. Tenho uma guitarra. Acústica. Tenho uma televisão a cores que se liga uma hora por dia, por vezes nem isso, e tenho um gato a preto e branco que embora pareça ligado à corrente, trouxe consigo de nascença um sistema energético auto-suficiente. Tenho lâmpadas economizadoras espalhadas por toda a casa e tenho uma dificuldade enorme em conseguir frequentar duas divisões diferentes em simultâneo. Tenho uma só extravagância energética: um “bufinhas” que me aquece os pés no inverno, nos dias em que o animal monocromático não está para aí virado. Tenho uma factura energética que me leva 56 broas por mês, mais 10% de broas que em 2012. A 1 euro a broa, é só fazer as contas. Tenho ainda a ideia de ter lido que António Mexia, o mais bem pago gestor do país, aufere anualmente qualquer coisa como 6.400 salários mínimos. Em números redondos, 3 milhões de euros. Em números quadrados, António Mexia só precisa de 1.000 tipos como eu para lhe pôr o caviar na mesa. Não é difícil. Tenho um estabelecimento por onde passam diariamente dezenas de facturas da EDP e os valores variam entre o erótico e o pornográfico. Tenho também a ideia que Eduardo Catroga, membro do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, junta 640 mil broas ao seu palmarés de broas, que acumula com uma reforma de 10 mil no seu recheado armazém de broas. Tenho a sensação que a Siderurgia Nacional, um dos 10 maiores exportadores nacionais, ameaçou recentemente sair de Portugal e despedir 750 trabalhadores devido à elevada factura energética. Tenho comigo um jornal em que o FMI se diz desapontado com o facto dos preços da electricidade não terem descido. Tenho a certeza de ter ouvido António Mexia a desejar um Benfica campeão para fazer subir o PIB.
A factura da EDP é só a pontinha do iceberg. Há que somar a factura das PPP, a factura dos swap especulativos, a factura do BPN, a factura das centenas de inúteis fundações, a factura da concertação de preços na banca, a factura dos cortes salariais e das reformas, a factura dos elevados impostos, e outras facturas que agora me escapam e ainda outras por descobrir. O resultado: níveis de desemprego escandalosos, uma economia de rastos e números de emigração nunca antes vistos. A conclusão: sobreviver, neste país, passou a ser um acto de heroísmo para milhões de portugueses.
O último a sair que feche a porta. E apague a luz.