Escrever sobre as Abadias sem referir os nomes Alberto Pessoa e Gonçalo Ribeiro Telles é como passear na baixa sem enfiar o pé num buraco. Se estes marcam a obra da actualidade, Alberto Pessoa e Gonçalo Ribeiro Telles ficarão eternamente ligados ao erguer daquele que é considerado – ou pelos assim o deveria ser – o espaço verde de excelência da cidade.
O NOME
Segundo o nosso grande/enorme/o maior (não riscar nada, interessa tudo!) António dos Santos Rocha, “Abbadia” designa “o território que foi pertencente a uma igreja parochial ou abacial”, ou para o nosso caso em particular, as “terras que ficam no valle situado ao norte e poente” da Igreja de S. Julião, das quais fazem parte “todos os edifícios, todas as plantações de vinha e arvoredo, terras cultas e incultas”.
O CONTEXTO
Cultivado o conhecimento inicial e interiorizada a localização, é nossa obrigação colocar em cima da mesa a informação que pelo ano de 1960 a Câmara Municipal da Figueira da Foz (CMFF) mostrou uma firme vontade de apresentar um Plano Director para a cidade. Estabeleceu contrato com o Prof. Engº Antão de Almeida Garrett e este entregou dois anos mais tarde o Plano Regulador de Urbanização da Figueira da Foz, que foi aprovado em 1963. Esta verdadeira bíblia de urbanismo encontra-se no Arquivo Municipal e merece cada minuto de sua consulta.
Presidia à CMFF o Engº Coelho Jordão, que convidou o Arqº Alberto Pessoa para, juntamente com o Arqº Paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, escavar os conceitos do Plano de Garrett. Em Fevereiro foi apresentado o 1º Estudo de Urbanização Vale das Abadias / Ponte do Galante.
A IDEIA
A área do Vale das Abadias compreendia uma situação muito particular da cidade. Sendo uma zona predominantemente agrícola privada, funcionava como divisora entre o Bairro Novo e o Bairro Velho. Qual reconciliador, coube a Alberto Pessoa resolver esta incómoda separação. Nada melhor que um Parque para a cidade, pensou Pessoa na época. Gratos pela ideia, agradecemos nós hoje.
Olhando para o que era o Plano Regulador da Cidade, Alberto Pessoa encontrou alguns obstáculos que, com a consolidação dos seus conhecimentos da zona, o levaram a propor algumas alterações, essencialmente nas circulações. No seu esboceto prévio é possível visualizar a ideia de deslocar mais para norte o atravessamento do parque, algo que não conseguiu impor: hoje o Parque das Abadias divide-se na Avenida Dr. Joaquim de Carvalho. Em 1964, no Estudo de Urbanização, Pessoa chegou a propor um viaduto onde se encontra hoje a Rotunda do Centenário, de forma a não quebrar a continuidade do parque nem a linha de água existente. Sem sucesso.
Os espaços verdes do Esboceto Prévio representam um elemento de enorme importância. A ligação do Vale das Abadias até ao Vale do Galante forma um conceito amplamente defendido por Pessoa e Telles, em que um corredor verde atravessa a cidade, permitindo, para além de evidente função arbórea, um passeio agradável longe do reboliço típico da cidade.
Se o Vale das Abadias foi implementado segundo as principais ideias dos dois arquitectos, o Vale do Galante e sua ligação foram aniquilados pela febre imobiliária dos anos 90, para grande desgosto de Gonçalo Ribeiro Telles (Alberto Pessoa havia falecido em 1985).
AS CÉLULAS
Do Estudo de Urbanização fariam parte seis zonas distintas, designadas por células, situadas na envolvente do Vale das Abadias e posteriormente alvo de aprofundado estudo efectuado pelo próprio Alberto Pessoa. Das células A e C fazem parte os edifícios hoje posicionados frontalmente ao Parque das Abadias. A célula B encontra-se na encosta nascente do Vale das Abadias, com alguns edifícios habitacionais. A célula D, em frente às instalações da PSP, revelar-se-ia um atentado urbanístico, fruto de um vazio regulamentar que nos anos 80 permitiu construções de 10 pisos, contrariando fortemente os estudos de Alberto Pessoa. A célula E viria a ser ocupada pela Escola EB Dr. João de Barros e a malfadada célula F, no Vale do Galante, para onde estava prevista um enorme parque verde de propósito mais turístico, sofreria o destino cruel que hoje conhecemos.
O RESULTADO
O Plano Regulador de Garrett preconizava o Vale das Abadias como primeira área de expansão da cidade, pelo que após os estudos de Alberto Pessoa e Gonçalo Ribeiro Telles, foi encetada a aquisição de grande parte dos terrenos privados que o constituíam, permitindo durante a década de 60 a execução do Parque das Abadias tal como hoje o conhecemos.
À visão daquela dupla devemos o magnífico espaço verde que preenche o coração da cidade. Que, honra seja feita aos seus criadores, poderia e deveria apresentar-se com um fato mais de acordo com a sua beleza.